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Velho louco

Um velho louco

carrega um livro

de velhos poemas

e a modo de quem pede esmolas

por aí estende versos

para qualquer um alguém

que os leiam a ele.

 

Contam que um dia

alguém que o velho amava

o encantara assim

de olhos vendados

posto a escutar

sobre as pedras de um rio

num seu aniversário.

 

E assim ele arrasta poemas pelas ruas

e carrega pedras no bolso

e envelhece um ano

a cada poema lido

que alguém lhe dá.

 

Ficou cego do esforço

de repetidamente imaginar

o dia

a voz

o rio nos olhos da amada

e também na sua voz

e nos olhos dele

e o novo gosto

de primeiro beijo do poema velho.

 

Ficou louco para poder suportar

a cada vez

as discrepâncias no poema que escuta

contra a incomparação do seu amor

naquele dia

nas pedras de um rio

num seu aniversário.

 

Por ali contam para as crianças

que lhe jogam pedras

que se o velho morre

vai morar em poema.

 

(Essa história de um velho louco que escutava poemas é dedicada ao Guardador de Rebanhos do Alberto Caieiro e, claro, àquela que me vendou os olhos e me leu este poema num meu aniversário, sobre as pedras de um rio, que era só um rio, e eram só pedras, e era só O Guardador de Rebanhos do Alberto Caieiro, e era um presente, e era só tudo da qualidade de um milagre).

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