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A língua muda e úmida de uma libélula azul

Microconto da série Exercícios de Encantamentos nos Matos e Águas.

          Libélula é um bicho magrelo que gosta muito de colocar a bunda na água.  E podem ser azuis.

          Eu vigiei muito isso no rio, por à toa.

          Ela percebeu.

          Muito percebedora e inquieta aquela libélula ali.

          Dona dos rompantes. Voa, pousa, sacode, silencia, apedra, salta, abre, fecha, dá gritinhos, como se pipocas pulassem na cachola e comandassem.

          Pousou no meu dedo, a libélula.

          Foi engraçado.

          Não expectei que habituasse a isso.

          Mas, numa outra vez, eu mesmo apontei o dedo e a libélula repetiu. Pousou e lambeu.

          Foi bom.

          Na terceira vez, entrei na água com ela, para olhá-la muito de perto.

          Fiquei afogado de olhar.

          Eu não sei se a libélula brincava comigo ou com a água. A manha da libélula era nunca deixar eu saber dessas coisas.

          Entretanto, do meu dedo, por um tempo, fez caniço que fosse dela. Podia demorar, mas, voltava, no seu querer.

          E bem lambia. Até, eu achei que aquilo fosse um tipo de conversa.

          Entrei a puxar assunto. Assumia como resposta o quando ela lambia meu dedo, às vezes antes de saltar no ar, outras vezes, só muito tempo depois, nisso de voltar e pousar .

          Quando percebi, eu andava sozinho pelos caminhos d´água, com dedo apontado, com sede de avançar conversas, sem encontrar.

          Todo o silêncio dos caminhos se ria de mim.

          Ganhei desgosto de muito espetar o ar, no corrente.

          Dia fatal, acidentei-me no ridículo da situação.

          Amputei o dedo. (Por óbvio, doeu).

          Sem mais libélula.

          Se muito, ainda recordo a linguinha.

          Mas, a conversa, essa, era nenhuma.

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