meio nu
meio não
Dourado Escuro
Microconto da série Exercícios de Encantamentos nos Matos e Águas.
O sol era o primeiro a chegar aos contornos daquelas águas.
Pousado numa pedra, o sol despia-se e os dourados comparavam-se: o seu próprio e o da água, o mais escuro.
O sol penetrava o poço sem ruídos, feminino, a água lambia.
Algumas manhãs eu testemunhava, sem que lhe olhasse direto, que não queimasse.
Eu tateava olhar.
Podia ser uma sede o que me encharcava devagarinho a pele que eu libertava das roupas.
Alguma manhã o poço coube-me também.
Mesmo com o sol por dentro, água não se apressa ao calor. Assim amam-se.
Assim, abraçou-me o dourado escuro frio e, em braços, busquei e emaranhei-me ao dourado quente do sol, numa dança liquida, que não ondulasse superfícies e tempos.
Por fim, nossos contornos desenharam-se um ao outro.
Tremi o frio e o quente no abraço do sol.
Toquei seus contornos, acanhado, em cuidados que nada ferisse, mas que pouco calasse.
Água nesse poço corria mansa, em pausa.
Pousamos os umbigos entre si, onde abririam outros poços que adentrar um no outro.
Apenas pausamos, por alguns instantes, como água corria ali, mansa, em pausa.